segunda-feira, agosto 06, 2007

Cântico Negro

Li este poema pela primeira vez no meu livro de Filosofia... Eu que sinceramente não ligava nenhuma aos poemas que lá estavam, neste, parei, o próprio poema tem uma desorganização própria de quem vive à margem do mundo...

"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos, (Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre a minha mãe

Não, não vou por aí!
Só vou por onde Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo,
Foi só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!

José Régio

Hoje voltei a lembrar-me dele... Precisei de ler algo que me lembrasse que não há impossíveis, incompatíveis, certezas... Que a única voz que realmente sabe o que precisamos é a nossa voz, por melhores intenções que tenham outras vozes que nos tentam "ajudar", elas não sabem mais do que nós, ninguém nos conhece melhor do que nós. E mesmo que pareça que não gostamos de nenhum dos caminhos que se deparam à nossa frente, há sempre caminhos para abrir, custa mais, pois custa... Mas os sorrisos depois do esforço são sempre mais abertos...

Boa Noite :)

4 comentários:

CláudiaCruz disse...

como dizes nao ha impossiveis nem certezas.. o k ha é coisas mais faceis e mais dificeis de se conseguir =)

beijinho*

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Nandita disse...

A nossa voz é sempre a mais certa, não duvides. Os pequenos segredos que nunca contámos são muitas vezes as chaves das maiores decisões... e se ninguém os conhece, claro que não pode definir o nosso futuro...
Mas deixa o "negro" de lado, faz favor... é que lá fora até está Sol, e não pega nada bem deprimir em dias assim ;)

Beijo


...nunca mais te dou conselhos :P looool

Anónimo disse...

^^ este poema é tão LINDO!:) era e é o "meu" poema!Declamei-o tantas e tantas vezes, sabia-o de cor (e acho q talvez ainda o saiba) e foi graças a ele que ganhei alguns concursos de poesia!:) *recordações*

beijinho

ps.desculpa a invasão!:P